quarta-feira, 10 de julho de 2013

Queremos Deus

Queria Luiza Nogueira, Fernanda Baranov e vovó,
Ando pensando no valor daquele encontro. Talvez seja graça de Deus, um lindo presente que a vida me deu mais uma vez. Interessante como um simples olhar, uma simples conversa, um aperto de mão aproximas as pessoas. E com um toque de Deus nasce uma bela Amizade. Amizade é apenas um detalhe da questão. Amor é muito mais. Amizade é um elemento que nos favorece a um conhecimento frutuoso, pois nos coloca diante da possibilidade de fazer da vida uma experiência de doação plena.
Amor é mais do que isso! É segredo a ser guardado e continua a ser segredo por causa do mistério que o envolve e nunca acaba apenas continua e com isso vamos descobrindo nos avessos da saudade. Mas em nós a uma busca de Deus, ou seja, QUEREMOS DEUS. Aquele dia não cabe no tempo das horas que passamos juntos. A eternidade se atualiza na saudade dos momentos, dessas musicas que tocam e nos tocam cada vez que escutamos. Dias vividos de maneira simples. Os desdobramentos dos meus atributos humanos eu os coloco na vivencia feliz de esparramar luzes pelos caminhos por onde ando. Amizade é assim.
Agradecer é uma arte tão linda que não poderia privar aquele momento em apenas uma pequena conversa e depois pronto. Não. O fato de uma simples conversa foi um jeito que Deus escolheu para nos unir em uma Amizade e assim ser inesquecível; pois estava repleto de Amor. Uma Amizade nascida no coração Amoroso de Deus e que nunca fora experimentado e que deu a nós um gosto de eternidade. Deus nos uniu.
Eu fui descobrindo nossa amizade aos poucos em nossa conversa, nas mensagens trocadas. Nossa Amizade foi sendo tecida nos avessos e dos direitos de se descobrir. É questão de Deus. É na direção da Luz Suprema que ouso colocar meu rumo. Sou filho deste tempo novo e trago em minha alma os estigmas da luz que Cristo acendeu na história.
A Fidelidade na Amizade é o rosto mais sincero de nossas predileções.
O Amor de Deus nos atingiu e tudo ficou mais fácil.
Com Carinho,

Rafael Camargo.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

PAPA FRANCESCO UDIENZA GENERALE Piazza San Pietro Mercoledì, 5 giugno 2013

Queridos irmãos e irmãs, bom dia !
Hoje eu quero focar na questão do meio ambiente, como já tive ocasião de fazer em várias ocasiões. Eu também sugerido pelo dia de hoje Mundial do Meio Ambiente, promovido pela Organização das Nações Unidas, que envia um forte lembrete da necessidade de eliminar o desperdício e destruição de alimentos.
Quando falamos em meio ambiente, da criação, meus pensamentos vão para as primeiras páginas da Bíblia, olivro de Gênesis , que afirma que Deus colocou o homem ea mulher na terra, porque cultivar e guardar como (cf. 2:15). E surgem questões: O que significa cultivar e cuidar da terra? Estamos verdadeiramente cultivar e guardando criado? Ou será que estamos explorando e negligenciando? O verbo "crescer" me faz lembrar o cuidado que o agricultor para a sua terra, porque dar frutos, e é compartilhado: quanta atenção, paixão e dedicação! Cultivar e cuidar da criação é uma indicação dada por Deus, não só no início da história, mas cada um de nós é parte de seu projeto significa o mundo para crescer com responsabilidade, transformá-lo para ser um jardim, um lugar habitável para todos. Bento XVI lembrou várias vezes que esta tarefa que nos foi confiada por Deus, o Criador exige que você captar o ritmo ea lógica da criação. Mas muitas vezes somos impelidos pelo orgulho de dominação, de posses, manipular, tirar proveito, e não a "guarda", não respeitá-lo, não considerá-la como um dom gratuito e cuidar. Estamos perdendo a atitude de admiração, contemplação, escuta da criação, e, portanto, não é capaz de ler o que Bento XVI chama de "o ritmo da história de amor entre Deus eo homem." Por que isso acontece? Por que pensar e viver de uma forma horizontal, que se afastaram de Deus, nós não ler seus sinais.
Mas o "cultivar e guardar" inclui não só a relação entre nós eo ambiente, entre o homem ea criação, é também sobre as relações humanas. Os Papas têm falado de ecologia humana , que está intimamente ligada à " ecologia ambiental . Estamos vivendo em uma época de crise, vemos no ambiente, mas acima de tudo o que vemos nos seres humanos. A pessoa humana está em perigo: isso é certo, a pessoa humana está em perigo hoje, aqui está a urgência da ecologia humana! E o perigo é grave porque a causa do problema não é superficial, mas profunda: não é apenas uma questão de economia, mas de ética e antropologia. A Igreja tem sublinhado várias vezes, e muitos dizem que, sim, é verdade, é verdade ... mas o sistema continuará como antes, porque o que domina é a dinâmica de uma economia e de uma falta de ética de finanças. Um encarregado de hoje não é o homem, é dinheiro, dinheiro, dinheiro comando. E Deus, nosso Pai, deu a tarefa de cuidar da terra não é sobre dinheiro, mas para nós, homens e mulheres. temos esta tarefa! Em vez disso, homens e mulheres são sacrificadas aos ídolos do lucro e do consumo: é a "cultura do desperdício". Se você quebrar um computador é uma tragédia, mas a pobreza, as necessidades, os dramas de tantas pessoas acabam ficando normal. Se uma noite de inverno, nas proximidades da Via Ottaviano, por exemplo, uma pessoa morre, isso não é novidade. Se em muitas partes do mundo há crianças que não têm nada para comer, isso não é novidade, parece normal.Não pode ser assim! No entanto, essas coisas vêm ao normal: que alguns moradores de rua morrer de frio na rua não é notícia. Em contraste, uma redução de dez pontos nos sacos de algumas cidades, é uma tragédia.Aquele que morre não é notícia, mas se você estiver reduzido em dez pontos os sacos é uma tragédia! Assim, as pessoas são descartados, como resíduo.
Esta "cultura do desperdício" tende a se tornar a mentalidade comum que infecta todos. A vida humana, a pessoa não é mais percebido como valor primário a ser respeitada e protegida, especialmente se eles são pobres ou deficientes, se não ainda serve - como o feto - ou não necessário - como os idosos. Esta cultura do desperdício nos tornou insensível até mesmo para o lixo e os resíduos de alimentos, que são ainda mais desprezível quando em todas as partes do mundo, infelizmente, muitos indivíduos e famílias que sofrem de fome e desnutrição. Quando nossos avós eram muito cuidado para não jogar nada restos de comida.Consumismo causou-nos a ter que se acostumar com o excesso de comida e resíduos por dia, que às vezes não somos mais capazes de dar o valor correto, que vai muito além de meros parâmetros econômicos. Todos nos lembramos, no entanto, que o alimento que é jogado fora como se ele for roubado da mesa dos pobres, a fome! Eu encorajo a todos a refletir sobre o problema da perda e desperdício de alimentos para identificar formas e meios que, dirigindo-se a sério este problema, são um veículo de solidariedade e de partilha com os mais necessitados.
Há poucos dias, na festa de Corpus Christi , lemos a história do milagre da multiplicação dos pães: Jesus alimenta a multidão com cinco pães e dois peixes. E a conclusão da obra é importante: "Todos comeram o seu preenchimento e foram tirados os pedaços, doze cestos" ( Lc 9:17). Jesus pede aos seus discípulos para não perder: no lixo! É este fato de doze cestos: Por que os Doze? O que isso significa? Doze é o número das tribos de Israel, representa simbolicamente todas as pessoas. E isso nos diz que quando a comida é compartilhada de forma justa, solidária, ninguém é privado, cada comunidade pode satisfazer as necessidades dos mais pobres.Ecologia humana e ecologia ambiental caminham juntos.
Então, eu gostaria de nos tomar todo o sério compromisso de respeitar e proteger a criação, estar atento a cada pessoa, para combater a cultura de desperdícios e resíduos, para promover uma cultura da solidariedade e da reunião. Obrigado.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Catequese do Papa Francisco sobre a ação do Espírito Santo – 15/05/13


Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje, quero centrar-me na ação que o Espírito Santo realiza na condução da Igreja e de cada um de nós rumo à Verdade. Jesus disse aos discípulos: “O Espírito Santo ‘vos guiará à verdade’ (Jo 16:13), sendo ele mesmo ‘o Espírito da verdade’” (cf. Jo 14:17, 15:26, 16:13).
Vivemos em uma época na qual somos, cada vez mais, cético em relação à verdade. Bento XVI falou, muitas vezes, sobre o relativismo, a tendência de acreditar que não há nada de definitivo e pensar que a verdade vem pelo consentimento ou por aquilo que queremos.
Surge a pergunta: existe realmente a verdade? O que é a verdade? Podemos conhecê-la? Podemos encontrá-la? Aqui, vem-me à mente a pergunta do procurador romano Pôncio Pilatos, quando Jesus revela o sentido profundo de Sua missão: “O que é a verdade?” (Jo 18,37.38). Pilatos não consegue entender que a Verdade está diante dele, não consegue ver em Jesus a face da verdade, que é o rosto de Deus. E Jesus, de fato, é a Verdade que, na plenitude dos tempos, “se fez carne” (Jo 1,1.14), veio a nós para que nós a conhecêssemos. Ela não se agarra como uma coisa, mas se encontra. Não é uma posse, é um encontro com uma Pessoa.
Mas quem nos faz reconhecer que Jesus é a Verdadeira Palavra, o Filho unigênito de Deus Pai? São Paulo ensina que “ninguém pode dizer ‘Jesus é o Senhor!’ senão pelo Espírito Santo” (ICor. 12,3). É Ele, o dom de Cristo ressuscitado, que nos faz reconhecer a verdade. Jesus o define como o Paráclito, que significa “aquele que vem em nosso auxílio”, que está do nosso lado para nos apoiar neste caminho de conhecimento, Na Última Ceia, Jesus assegura aos discípulos que o Espírito Santo os ensinará todas as coisas , recordando-os de Suas palavras (cf. Jo 14,26).
Qual é a ação do Espírito Santo em nossas vidas e na vida da Igreja para nos guiar à verdade? Antes de tudo, Ele recorda e marca, no coração dos que creem, as palavras que Jesus disse e, por meio destas, a lei de Deus – como haviam anunciado os profetas do Antigo Testamento. Está inscrito, em nosso coração e em nós; torna-se um princípio de avaliação nas escolhas e orientação nas ações do dia a dia; torna-se um princípio de vida. Realiza-se a grande profecia de Ezequiel: “Eu vos purificarei de todas as vossas imundícies e de todos os vossos ídolos, vos darei um coração novo e porei em vós um espírito novo… Porei o meu espírito dentro de vós e vos farei viver de acordo com as minhas leias, vos farei observar e colocar em prática os meus preceitos” (36:25-27). De fato, é do nosso interior que nascem nossas ações: é o coração que precisa se converter a Deus e o Espírito Santo o transforma se nós nos abrimos a Ele.
O Espírito Santo, então, como Jesus promete, guia-nos “a toda a verdade” (Jo 16:13), leva-nos não somente a encontrar Jesus, a plenitude da Verdade, mas também nos guia para “dentro” dela, faz-nos entrar em comunhão mais profunda com Jesus, dando-nos a inteligência das coisas de Deus. E isso não podemos conseguir por conta própria. Se Deus não nos ilumina interiormente, o nosso ser cristão será superficial.
A Tradição da Igreja afirma que o Espírito da verdade age em nossos corações suscitando o “sentido da fé” (sensus fidei), por meio do qual, como afirma o Concílio Vaticano II, o povo de Deus, guiado pelo Magistério, infalivelmente adere à fé transmitida, aprofunda-se nela com um julgamento correto e a aplica mais plenamente na vida (cf. Constituição Dogmática Lumen Gentium, 12). Perguntemo-nos: “Estou aberto à ação do Espírito Santo? Peço para que Ele me traga luz, faça-me mais sensível às coisas de Deus? Esta é uma oração que devemos fazer todos os dias: “Espírito Santo, faça com que meu coração seja aberto à Palavra de Deus, que meu coração esteja aberto ao bem, à beleza de Deus todos os dias”. Gostaria de fazer uma pergunta a todos: “Quantos de vocês rezam todos os dias ao Espírito Santo?” Serão poucos, mas devemos cumprir esse desejo de Jesus e orar, todos os dias, ao Espírito de Deus para que Ele nos abra o coração a Jesus.
Pensemos em Maria, a qual “guardava todas as coisas, meditando-as em seu coração” (Lc 2,19.51).  O acolhimento das palavras e das verdades da fé, para que se tornem vida, se realiza e cresce sob a ação do Espírito Santo. Neste sentido, devemos aprender de Maria, revivendo o seu ‘sim’,  a disponibilidade total em receber o Filho de Deus em sua vida, a qual, a partir daquele momento, é transformada. Por meio do Espírito Santo, o Pai e o Filho permanecem em nós e nós vivemos em Deus e para Deus. Mas a nossa vida é realmente animada pelo Senhor? Quantas coisas coloco em primeiro lugar em vez de Deus?
Queridos irmãos e irmãs, precisamos nos deixar inundar pela luz do Espírito para que Ele nos introduza à Verdade de Deus, o único Senhor de nossa vida. Neste ‘Ano da Fé’, perguntemo-nos se, realmente, temos dado algum passo para conhecer mais Cristo e as verdades da fé, lendo e meditando as Escrituras, estudando o Catecismo, recorrendo, com frequência, aos sacramentos. Mas nos perguntemos também quais os passos temos dado para que a fé oriente a nossa existência. Não podemos ser cristãos de momento, só em certas ocasiões, em certas circunstâncias, em algumas escolhas. Devemos ser cristãos em todos os momentos!Totalmente! A verdade de Cristo, que o Espírito Santo nos ensina e nos revela, para sempre e totalmente, interessa para sempre à nossa vida diária.
Invoquemos, mais vezes, o Espírito Santo para que nos guie no caminho dos discípulos de Cristo. Invoquemos todos os dias. Faço-vos esta proposta: invoquemos todos os dias o Espírito Santo, assim Ele vai nos aproximar, cada vez mais, de Jesus Cristo.




sábado, 16 de fevereiro de 2013

A DOR QUE VEM DA CÁTEDRA

 Está nos evangelhos com impressionante clareza:
Ai de vós, doutores da lei, que sumistes com a chave da Sabedoria; vós mesmos não entrastes, e impedistes os que desejam entrar. (Lc 11, 52)
Então falou Jesus à multidão, e aos seus discípulos, dizendo: Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus. Todas as coisas, pois, que vos disserem que observeis, observai-as e fazei-as; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não fazem; pois atam fardos pesados e difíceis de suportar, e os põem aos ombros dos homens; eles, porém, nem com o dedo querem movê-los; e fazem todas as obras a fim de serem vistos pelos homens; pois trazem largos filactérios, e alargam as franjas das suas vestes, e amam os primeiros lugares nas ceias e as primeiras cadeiras nas sinagogas, e as saudações nas praças, e o serem chamados pelos homens; Rabi, Rabi. ( Mt 23,1-7)
E, ensinando-os, dizia-lhes: Guardai-vos dos escribas, que gostam de andar com vestes compridas, e das saudações nas praças, e das primeiras cadeiras nas sinagogas, e dos primeiros assentos nas ceias; devoram as casas das viúvas, e isso com pretexto de largas orações. Estes receberão mais grave condenação. ( Mc 12, 38-40)
O texto é contundente. Atingia os fariseus e saduceus daqueles dias, atinge papas, bispos, fundadores de igrejas, pregadores, doutores e todos aqueles que anunciam a Palavra e lideram o povo de Deus.. Quem deveria ensinar e dar exemplo às vezes é quem mais transgride. Se houve os santos e mártires houve também os incoerentes, carreiristas e até assassinos.
A história de alguns papas, cardeais, bispos, sacerdotes, diáconos, presbíteros, apóstolos e leigos, católicos, evangélicos pentecostais não é narrativa agradável de se lembrar. Também a de alguns rabinos, imãs e mulás associados com a violência de fundo religioso. Não admira que muitos escritores ocultem as mazelas da própria religião ou igreja e destaquem as das outras. É arriscado apontar para os telhados de vidro de outros religiosos quando todas as religiões os têm. A verdade é que se em todas elas há histórias confortantes de santos e mártires que deram a vida pelo povo e por sua fé, há também os outros.
Está nos anais, nos livros que eles mesmos escreveram e nos testemunhos insuspeitos de sua própria geração. Hoje está nos jornais, nos vídeos, nos depoimentos colhidos pelas próprias igrejas. Violência, sedução do poder, alianças espúrias, mentiras, corrupção, pedofilia, gravidez, filhos ilegítimos, até mesmo crimes e massacres perpetrados ou incentivados por autoridades religiosas do judaísmo, do cristianismo, do islamismo, no passado e até mesmo no presente.
São tristes fatos que parecem dar razão aos ateus. Mas estes também têm histórias tristes de ditaduras, de nazismos e comunismos que em nome da ideologia massacraram ainda mais gente do que os religiosos. Esquerdistas e direitistas ateus não criaram nem exportaram santidade. O mundo não ficou mais humano por causa deles que gostam de lembrar os desmandos dos religiosos…
Quando, pois, alguém nos fala de papas que usurparam o trono pontifício, e de meninos eleitos papas, do filho ilegítimo de um papa que o sucedeu, de papas decapitados e massacrados, de bons e maus igualmente torturados em nome do poder e da fé; quando se lêem livros cheios de ódio escritos por fundadores de igrejas; quando se sabe da manipulação inescrupulosa do dinheiro dos fiéis, e quando finalmente se põem a descoberto os erros que vieram da cátedra e do púlpito, a quem crê em Deus não resta senão pedir desculpas por ontem e por hoje. Uma coisa é anunciar o evangelho e outra é vivê-lo.
Há entregadores de pizza que não comem pizza! Não é seu prato preferido. Há pregadores que não provam da própria pregação. Sabem de cor o que devem dizer e falam bonito, mas não acreditam no que dizem, nem vivem o que pregam. Era disso que Jesus falava em Mateus 23,1-7
Todas as coisas, pois, que vos disserem que observeis, observai-as e fazei-as; mas não procedais como eles, porque dizem e não fazem.
A coerência de vida é um postulado da pregação, mas nem sempre é vivida. Falar e cantar bonito, fingir que crê, orar com emoção, arrecadar para o Senhor e depois gastar demais consigo mesmo, viver no luxo em nome da fé, construir palácios como faziam alguns lideres religiosos do passado remoto e fazem alguns hoje, ostentar riqueza em nome do evangelho são algumas das incoerências que atravessaram séculos, desde Gedeão e Salomão até não poucos pregadores de hoje.
É dor que vem da cátedra. Os fiéis não sabem explicar o que aparece nos jornais. Pode ser mentira e pode ser verdade. Mas quando está visível e documentado, toda uma igreja sofre com o comportamento de seus grandes ou pequenos líderes.
Há um púlpito que se fez cátedra e que dói sobremaneira para todo e qualquer fiel de qualquer religião ou igreja. Seu líder escreveu aquele livro que tem ódio! Seu líder está envolvido em corrupção e há provas contundentes. Seu fundador teve quatro casamentos. Seu líder vive no luxo. Seu líder fala, mas não vive o que fala!
Nós que pregamos, sabemos de nossas incoerências. Somente nós podemos dizer se é calúnia ou não é. Nós e Deus. Ele vê, Ele viu, Ele sabe! É o caso de orarmos com todas as igrejas para que o Senhor proteja e guarde os que ele chamou para que não se afastem da simplicidade e da humildade e que não se vejam aprisionados pela fama, pelo poder e pela riqueza e, o que é pior, usando os textos da Bíblia para explicar seus atos, seu gosto pelo conforto e sua enorme conta no banco! Serve para os outros, mas serve principalmente para nós. É o caso de ouvir Jesus a nos desafiar que atire a primeira pedra quem acha que não tem ou não terá pecado! (Jô 8,7)
De todos os que precisam de oração e de constante conversão os primeiros são os pregadores.
Padre Zezinho, scj
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quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Aids e atitude – vida é mais importante que busca do prazer


Mulheres, crianças e adolescentes continuam sendo vítimas da Aids, os médicos chegam cada dia mais preocupados à conclusão de que a Aids só se cura com mudança de comportamento. Toxicômanos insistem em partilhar seringas, adolescentes continuam confiando em parceiros que mal conhecem, esposas são infectadas por maridos infiéis.

O comportamento daquele taxista que abertamente admitia ir à prostituição duas vezes por semana revela esta faceta cruel do ser humano. Perguntado sobre a esposa, disse que não iria se segurar só por causa dela. Queria o seu prazer, já que ela estava velha e não lhe dava o que ele queria. Nenhum amor, nenhuma renúncia e, ainda por cima, a mentira que pode ser fatal. É equivalente a uma roleta-russa ou ao assassinato premeditado. Se ele morrer, morre ela. Ele morre se arriscando, e ela, sem saber.

Muitos médicos são radicais. Advogam mais disciplina, mais renúncia, sexo fiel, e assim mesmo com os cuidados de quem confia desconfiando. Várias Igrejas são ainda mais radicais. Abstinência, cuidado permanente, camisinha sempre. E há os religiosos que nem camisinhas admitem. Aí complica, porque quando um dos membros do casal é fiel a Deus e à Igreja e por razão de fé não usa camisinha, mas o outro abusa dessa confiança e engana, a pessoa de fé corre o risco de morrer mártir. Não deixa de ser assassinato!

Assunto grave − Médicos, sacerdotes, psicólogos e assistentes sociais não encontram respostas. Passa então pela renúncia. E há pessoas que não aceitam mudar, não mudam, insistem e quebram todas as regras de conduta. Para a Aids não existe nenhuma proteção senão a do indivíduo que cuida de si mesmo! A maioria não cuida.

A mudança de comportamento de quem está contaminado e de quem poderia se contaminar é o único jeito de controlar a Aids. Muitos drogados não aceitam, pessoas prostituídas nem sempre, seus “clientes” às vezes as forçam. E ainda existe a transfusão de sangue mal processado e mal controlado. O mundo não estava preparado para essa epidemia e continua não sabendo como impedir o seu avanço. Aparentemente, a urgência do prazer, da cama e da seringa acaba sendo mais importante do que a vida! O sexo agora pode matar. E é o que tem acontecido.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

PREGADORES E CANTORES

Chego perto dos 40 anos de canção.
E é claro que tenho algo a dizer sobre isso de cantar na Igreja.
Não é que saiba tudo, mas quem enfrentou anos de paciente exercício
deste ministério e ouviu de tudo a favor e contra
tem algo a partilhar. E é o que estou fazendo,
como sacerdote e como professor de comunicação.
Uma canção vai muito mais longe do que uma palavra
Não é melhor nem mais substanciosa do que uma palavra.
Apenas a enfeita e projeta um pouco mais
Por isso, sempre que possível devemos trazer
a canção para perto das nossas pregações.
Quem se faz cantor e privilegia a canção faz uma boa coisa
Quem quer ser pregador e eventualmente cantar
tornando a canção secundária faz uma boa coisa
Há profetas que falam e há profetas que cantam
E há quem faça as duas coisas.
Eu faço as duas coisas, mas se tiver que escolher
Seguramente escolherei pregar.
A canção pode e deve esperar.
O bispo que me ordenou não pôs nem um violão,
nem gaita nem piano em minhas mãos.
Pôs uma Bíblia, um pão e um cálice.
Daquele dia em diante entendi que deveria resistir
à tentação de cantar só porque alguém deseja me ouvir cantando.
Se o que tenho a dizer não puder ser dito cantando
e se a letra da canção não ajudar o texto bíblico
ou o que o Papa ou os bispos mandaram dizer
eu simplesmente não canto.
Minha canção seria um enfeite errado no lugar errado.
Atrapalharia a Palavra da Igreja.
Se porém minha canção ajudar então eu canto.
Existe uma hora em que o pregador pode cantar
e há um outra em que ele não deve cantar.
Mesmo que não seja compreendido nem aplaudido
pelos que querem ouvir sua canção.
Jesus não precisa de cantores
e sim de anunciadores de seu evangelho.
Se pudermos anunciá-lo cantando, cantemos.
Se cantar ficar tão importante
que a canção abafa o sermão ou a leitura do dia
suprima-se a canção e silenciem os cantores.
O povo não vai à missa para cantar. Vai celebrar.
E é perfeitamente possível celebrar sem cantar.
Infelizmente também é possível cantar sem celebrar.
Isso acontece quando o texto da missa está dizendo uma coisa
e os cantores outra, só porque o grupo gosta daquela melodia.
Tais cantores não estão celebrando.
Estão apenas enchendo a missa de música errada.
Nós que cantamos devemos pedir a Deus e á Igreja que nos corrijam
se estamos dando excessiva importância ao canto nas igrejas.
A canção continua sendo o chantili do bolo.
Dá-lhe um sabor especial, mas não pode substituir o bolo.
Nenhuma canção tem tanto conteúdo!
Entre cantar e falar, falar continua mais importante.
Que nós cantores aprendamos a falar e pregar.
Sobretudo se formos sacerdotes!
Os bispos não ordenam cantores. Ordenam pregadores!
Padre Zezinho, scj.
http://www.padrezezinhoscj.com/wallwp/archives/7777

sábado, 5 de janeiro de 2013

Retorno


Cá estou eu vivendo a mística dos retornos, precisei coragem para chegar e adentrar os labirintos do tempo e rever coisas em meu coração, sentir saudade de pessoas que partiram e aprender que ando mais necessitado de passado do que de futuro. O futuro não existe e por isso me imagina. O passado sabe quem sou. Rever minha vida neste ano que passou é vontade de acertar o que errei, e aperfeiçoar o que faço de bom para continuar fazendo com o mesmo sorriso e o mesmo amor, o passado é o guardião de minhas memórias por isso retorno para recordar lembranças que me confessam.
O choro da saudade é inevitável, só que ama chora. Não por fraqueza, mas porque amou. Chorar de saudade que tem importância em minha vida e trazem um significado para vida toda, e com isso aprendo as simetrias de minha vida para voltar ao cordão de minhas origens e pisar as areias brancas da cidade que viu nascer; de pessoas que sabe quem sou e me ensinam quando erro, e fazem por que me amam, esses são meus amigos. Mudar de vida e deixar para traz o que não soube ficar, o que não soube compreender, o que não soube ser amigos esses passam assim como o rio segue seu curso de vir a ser, de desaguar no mar e ser por completo.
Em minha vida estou sempre partindo, estou sempre chegando é engraçado, mas desaprendi de ficar minha vida é uma aventura onde renovo a cada dia o compromisso de ser inteiro ainda que no fragmento que fica na estadia daquele encontro. Em meu coração levo um pouco de cada chão pisado, de cada amigo conquistado mesmo que seja num intervalo de um chegar e outro partir, de um encontro ainda que pequeno e mesmo assim há um parentesco espiritual que nos aproximou mesmo que para uma conversa curta ou longa.
Sigo minha vida quarado de sol, molhado de chuva, alma lavada por cada lagrima, cada sorriso que vi brotar em cada rosto. Eu sou um andarilho nesse mundo de meu Deus, onde descobri desde cedo que as belezas da vida me chamam, grita meu nome e eu vou porque depois de muito andar de vasculhar as estradas e destinos tantos descobri que o melhor lugar do mundo sou eu mesmo.
Rafael Camargo. 

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

TEXTO DO PAPA BENTO XVI 11 DE OUTUBRO DE 2012


TEXTO INÉDITO DO PAPA BENTO XVI
PUBLICADO POR OCASIÃO DO 50º ANIVERSÁRIO
DO INÍCIO DO CONCÍLIO VATICANO II

Foi um dia maravilhoso aquele 11 de Outubro de 1962 quando, com a entrada solene de mais de dois mil Padres conciliares na Basílica de São Pedro em Roma, se abriu o Concílio Vaticano II. Em 1931, Pio XI colocara no dia 11 de Outubro a festa da Maternidade Divina de Maria, em recordação do facto que mil e quinhentos anos antes, em 431, o Concílio de Éfeso tinha solenemente reconhecido a Maria esse título, para expressar assim a união indissolúvel de Deus e do homem em Cristo. O Papa João XXIII fixara o início do Concílio para tal dia com o fim de confiar a grande assembleia eclesial, por ele convocada, à bondade materna de Maria e ancorar firmemente o trabalho do Concílio no mistério de Jesus Cristo. Foi impressionante ver entrar os bispos provenientes de todo o mundo, de todos os povos e raças: uma imagem da Igreja de Jesus Cristo que abraça todo o mundo, na qual os povos da terra se sentem unidos na sua paz.

Foi um momento de expectativa extraordinária pelas grandes coisas que deviam acontecer. Os concílios anteriores tinham sido quase sempre convocados para uma questão concreta à qual deviam responder; desta vez, não havia um problema particular a resolver. Mas, por isso mesmo, pairava no ar um sentido de expectativa geral: o cristianismo, que construíra e plasmara o mundo ocidental, parecia perder cada vez mais a sua força eficaz. Mostrava-se cansado e parecia que o futuro fosse determinado por outros poderes espirituais. Esta percepção do cristianismo ter perdido o presente e da tarefa que daí derivava estava bem resumida pela palavra «actualização»: o cristianismo deve estar no presente para poder dar forma ao futuro. Para que pudesse voltar a ser uma força que modela o porvir, João XXIII convocara o Concílio sem lhe indicar problemas concretos ou programas. Foi esta a grandeza e ao mesmo tempo a dificuldade da tarefa que se apresentava à assembleia eclesial.

Obviamente, cada um dos episcopados aproximou-se do grande acontecimento com ideias diferentes. Alguns chegaram com uma atitude mais de expectativa em relação ao programa que devia ser desenvolvido. Foi o episcopado do centro da Europa – Bélgica, França e Alemanha – que se mostrou mais decidido nas ideias. Embora a ênfase no pormenor se desse sem dúvida a aspectos diversos, contudo havia algumas prioridades comuns. Um tema fundamental era a eclesiologia, que devia ser aprofundada sob os pontos de vista da história da salvação, trinitário e sacramental; a isto vinha juntar-se a exigência de completar a doutrina do primado do Concílio Vaticano I através duma valorização do ministério episcopal. Um tema importante para os episcopados do centro da Europa era a renovação litúrgica, que Pio XII já tinha começado a realizar. Outro ponto central posto em realce, especialmente pelo episcopado alemão, era o ecumenismo: o facto de terem suportado juntos a perseguição da parte do nazismo aproximara muito os cristãos protestantes e católicos; agora isto devia ser compreendido e levado por diante a nível de toda a Igreja. A isto acrescentava-se o ciclo temático Revelação-Escritura-Tradição-Magistério. Entre os franceses, foi sobressaindo cada vez mais o tema da relação entre a Igreja e o mundo moderno, isto é, o trabalho sobre o chamado «Esquema XIII», do qual nasceu depois a Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo. Atingia-se aqui o ponto da verdadeira expectativa suscitada pelo Concílio. A Igreja, que ainda na época barroca tinha em sentido lato plasmado o mundo, a partir do século XIX entrou de modo cada vez mais evidente numa relação negativa com a era moderna então plenamente iniciada. As coisas deviam continuar assim? Não podia a Igreja cumprir um passo positivo nos tempos novos? Por detrás da vaga expressão «mundo de hoje», encontra-se a questão da relação com a era moderna; para a esclarecer, teria sido necessário definir melhor o que era essencial e constitutivo da era moderna. Isto não foi conseguido no «Esquema XIII». Embora a Constituição pastoral exprima muitas elementos importantes para a compreensão do «mundo» e dê contribuições relevantes sobre a questão da ética cristã, no referido ponto não conseguiu oferecer um esclarecimento substancial.

Inesperadamente, o encontro com os grandes temas da era moderna não se dá na grande Constituição pastoral, mas em dois documentos menores, cuja importância só pouco a pouco se foi manifestando com a recepção do Concílio. Trata-se antes de tudo da Declaração sobre a liberdade religiosa, pedida e preparada com grande solicitude sobretudo pelo episcopado americano. A doutrina da tolerância, tal como fora pormenorizadamente elaborada por Pio XII, já não se mostrava suficiente face à evolução do pensamento filosófico e do modo se concebia como o Estado moderno. Tratava-se da liberdade de escolher e praticar a religião e também da liberdade de mudar de religião, enquanto direitos fundamentais na liberdade do homem. Pelas suas razões mais íntimas, tal concepção não podia ser alheia à fé cristã, que entrara no mundo com a pretensão de que o Estado não poderia decidir acerca da verdade nem exigir qualquer tipo de culto. A fé cristã reivindicava a liberdade para a convicção religiosa e a sua prática no culto, sem com isto violar o direito do Estado no seu próprio ordenamento: os cristãos rezavam pelo imperador, mas não o adoravam. Sob este ponto de vista, pode-se afirmar que o cristianismo, com o seu nascimento, trouxe ao mundo o princípio da liberdade de religião. Todavia a interpretação deste direito à liberdade no contexto do pensamento moderno ainda era difícil, porque podia parecer que a versão moderna da liberdade de religião pressupusesse a inacessibilidade da verdade ao homem e, consequentemente, deslocasse a religião do seu fundamento para a esfera do subjectivo. Certamente foi providencial que, treze anos depois da conclusão do Concílio, tivesse chegado o Papa João Paulo II de um país onde a liberdade de religião era contestada pelo marxismo, ou seja, a partir duma forma particular de filosofia estatal moderna. O Papa vinha quase duma situação que se parecia com a da Igreja antiga, de modo que se tornou de novo visível o íntimo ordenamento da fé ao tema da liberdade, sobretudo a liberdade de religião e de culto.

O segundo documento, que se havia de revelar depois importante para o encontro da Igreja com a era moderna, nasceu quase por acaso e cresceu com sucessivos estratos. Refiro-me à declaração Nostra aetate, sobre as relações da Igreja com as religiões não-cristãs. Inicialmente havia a intenção de preparar uma declaração sobre as relações entre a Igreja e o judaísmo – um texto que se tornou intrinsecamente necessário depois dos horrores do Holocausto (shoah). Os Padres conciliares dos países árabes não se opuseram a tal texto, mas explicaram que se se queria falar do judaísmo, então era preciso dedicar também algumas palavras ao islamismo. Quanta razão tivessem a este respeito, só pouco a pouco o fomos compreendendo no ocidente. Por fim cresceu a intuição de que era justo falar também doutras duas grandes religiões – o hinduísmo e o budismo – bem como do tema da religião em geral. A isto se juntou depois espontaneamente uma breve instrução relativa ao diálogo e à colaboração com as religiões, cujos valores espirituais, morais e socioculturais deviam ser reconhecidos, conservados e promovidos (cf. n. 2). Assim, num documento específico e extraordinariamente denso, inaugurou-se um tema cuja importância na época ainda não era previsível. Vão-se tornando cada vez mais evidentes tanto a tarefa que o mesmo implica como a fadiga ainda necessária para tudo distinguir, esclarecer e compreender. No processo de recepção activa, foi pouco a pouco surgindo também uma debilidade deste texto em si extraordinário: só fala da religião na sua feição positiva e ignora as formas doentias e falsificadas de religião, que têm, do ponto de vista histórico e teológico um vasto alcance; por isso, desde o início, a fé cristã foi muito crítica em relação à religião, tanto no próprio seio como no mundo exterior.

Se, ao início do Concílio, tinham prevalecido os episcopados do centro da Europa com os seus teólogos, nas sucessivas fases conciliares o leque do trabalho e da responsabilidade comuns foi-se alargando cada vez mais. Os bispos reconheciam-se aprendizes na escola do Espírito Santo e na escola da colaboração recíproca, mas foi precisamente assim que se reconheceram servos da Palavra de Deus que vivem e trabalham na fé. Os Padres conciliares não podiam nem queriam criar uma Igreja nova, diversa. Não tinham o mandato nem o encargo para o fazer: eram Padres do Concílio com uma voz e um direito de decisão só enquanto bispos, quer dizer em virtude do sacramento e na Igreja sacramental. Então não podiam nem queriam criar uma fé diversa ou uma Igreja nova, mas compreendê-las a ambas de modo mais profundo e, consequentemente, «renová-las» de verdade. Por isso, uma hermenêutica da ruptura é absurda, contrária ao espírito e à vontade dos Padres conciliares.

No cardeal Frings, tive um «pai» que viveu de modo exemplar este espírito do Concílio. Era um homem de significativa abertura e grandeza, mas sabia também que só a fé guia para se fazer ao largo, para aquele horizonte amplo que resta impedido ao espírito positivista. É esta fé que queria servir com o mandato recebido através do sacramento da ordenação episcopal. Não posso deixar de lhe estar sempre grato por me ter trazido – a mim, o professor mais jovem da Faculdade teológica católica da universidade de Bonn – como seu consultor na grande assembleia da Igreja, permitindo que eu estivesse presente nesta escola e percorresse do interior o caminho do Concílio. Este livro reúne os diversos escritos, com os quais pedi a palavra naquela escola; trata-se de pedidos de palavra totalmente fragmentários, dos quais transparece o próprio processo de aprendizagem que o Concílio e a sua recepção significaram e ainda significam para mim. Em todo o caso espero que estes vários contributos, com todos os seus limites, possam no seu conjunto ajudar a compreender melhor o Concílio e a traduzi-lo numa justa vida eclesial. Agradeço sentidamente ao arcebispo Gerhard Ludwig Müller e aos colaboradores do Institut Papst Benedikt XVI pelo extraordinário compromisso que assumiram para realizar este livro.

Castel Gandolfo, na memória do bispo Santo Eusébio de Vercelas, 2 de Agosto de 2012.

BENTO XVI

http://www.vatican.va/special/annus_fidei/documents/annus-fidei_bxvi_inedito-50-concilio_po.html

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Contrários




Nada tenho
Mas o que tenho eu dou
Doar-se a quem não tem
Ter para aqueles que não têm
Estranho essa forma dês ser?
Ter não ter!
Não sei o que penso?

Deus sabe
Saber é uma forma de ter,
Saber forma simples de ser e compreender
Compreender é uma forma de ser e saber
Saber... Pode ser ouvir

Ouvir...
Somente para os sábios
Forma simples que faz a diferença
Diferença é ser sábio
Sábio para os bons
Bons para aqueles que precisa ouvir.

Ouvir...
Seja sábio
Sábio a cada dia
Dia-a-dia posso dar esse passo
Ensinar caminhos,
E conduzir para uma vida melhor
Para serem feliz.

Rafael Camargo.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

CARTA DO PAPA JOÃO PAULO II AOS ARTISTAS

CARTA DO PAPA
JOÃO PAULO II
AOS ARTISTAS
1999

A todos aqueles que apaixonadamente
procuram novas « epifanias » da beleza
para oferecê-las ao mundo
como criação artística.

« Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa » (Gn 1,31).




O artista, imagem de Deus Criador

1. Ninguém melhor do que vós, artistas, construtores geniais de beleza, pode intuir algo daquele pathos com que Deus, na aurora da criação, contemplou a obra das suas mãos. Infinitas vezes se espelhou um relance daquele sentimento no olhar com que vós — como, aliás, os artistas de todos os tempos —, maravilhados com o arcano poder dos sons e das palavras, das cores e das formas, vos pusestes a admirar a obra nascida do vosso génio artístico, quase sentindo o eco daquele mistério da criação a que Deus, único criador de todas as coisas, de algum modo vos quis associar.

Pareceu-me, por isso, que não havia palavras mais apropriadas do que as do livro do Génesis para começar esta minha Carta para vós, a quem me sinto ligado por experiências dos meus tempos passados e que marcaram indelevelmente a minha vida. Ao escrever-vos, desejo dar continuidade àquele fecundo diálogo da Igreja com os artistas que, em dois mil anos de história, nunca se interrompeu e se prevê ainda rico de futuro no limiar do terceiro milénio.

Na realidade, não se trata de um diálogo ditado apenas por circunstâncias históricas ou motivos utilitários, mas radicado na própria essência tanto da experiência religiosa como da criação artística. A página inicial da Bíblia apresenta-nos Deus quase como o modelo exemplar de toda a pessoa que produz uma obra: no artífice, reflecte-se a sua imagem de Criador. Esta relação é claramente evidenciada na língua polaca, com a semelhança lexical das palavras stwórca (criador) e twórca (artífice).

Qual é a diferença entre « criador » e « artífice »? Quem cria dá o próprio ser, tira algo do nada — ex nihilo sui et subiecti, como se costuma dizer em latim — e isto, em sentido estrito, é um modo de proceder exclusivo do Omnipotente. O artífice, ao contrário, utiliza algo já existente, a que dá forma e significado. Este modo de agir é peculiar do homem enquanto imagem de Deus. Com efeito, depois de ter afirmado que Deus criou o homem e a mulher « à sua imagem » (cf. Gn 1,27), a Bíblia acrescenta que Ele confiou-lhes a tarefa de dominarem a terra (cf. Gn 1,28). Foi no último dia da criação (cf. Gn 1,28-31). Nos dias anteriores, como que marcando o ritmo da evolução cósmica, Javé tinha criado o universo. No final, criou o homem, o fruto mais nobre do seu projecto, a quem submeteu o mundo visível como um campo imenso onde exprimir a sua capacidade inventiva.

Por conseguinte, Deus chamou o homem à existência, dando-lhe a tarefa de ser artífice. Na « criação artística », mais do que em qualquer outra actividade, o homem revela-se como « imagem de Deus », e realiza aquela tarefa, em primeiro lugar plasmando a « matéria » estupenda da sua humanidade e depois exercendo um domínio criativo sobre o universo que o circunda. Com amorosa condescendência, o Artista divino transmite uma centelha da sua sabedoria transcendente ao artista humano, chamando-o a partilhar do seu poder criador. Obviamente é uma participação, que deixa intacta a infinita distância entre o Criador e a criatura, como sublinhava o Cardeal Nicolau Cusano: « A arte criativa, que a alma tem a sorte de albergar, não se identifica com aquela arte por essência que é própria de Deus, mas constitui apenas comunicação e participação dela ».(1)

Por isso, quanto mais consciente está o artista do « dom » que possui, tanto mais se sente impelido a olhar para si mesmo e para a criação inteira com olhos capazes de contemplar e agradecer, elevando a Deus o seu hino de louvor. Só assim é que ele pode compreender-se profundamente a si mesmo e à sua vocação e missão.
A vocação especial do artista

2. Nem todos são chamados a ser artistas, no sentido específico do termo. Mas, segundo a expressão do Génesis, todo o homem recebeu a tarefa de ser artífice da própria vida: de certa forma, deve fazer dela uma obra de arte, uma obra-prima.

É importante notar a distinção entre estas duas vertentes da actividade humana, mas também a sua conexão. A distinção é evidente. De facto, uma coisa é a predisposição pela qual o ser humano é autor dos próprios actos e responsável do seu valor moral, e outra a predisposição pela qual é artista, isto é, sabe agir segundo as exigências da arte, respeitando fielmente as suas regras específicas.(2) Assim, o artista é capaz de produzir objectos, mas isso de per si ainda não indica nada sobre as suas disposições morais. Neste caso, não se trata de plasmar-se a si mesmo, de formar a própria personalidade, mas apenas de fazer frutificar capacidades operativas, dando forma estética às ideias concebidas pela mente.

Mas, se a distinção é fundamental, importante é igualmente a conexão entre as duas predisposições: a moral e a artística. Ambas se condicionam de forma recíproca e profunda. De facto, o artista, quando modela uma obra, exprime-se de tal modo a si mesmo que o resultado constitui um reflexo singular do próprio ser, daquilo que ele é e de como o é. Isto aparece confirmado inúmeras vezes na história da humanidade. De facto, quando o artista plasma uma obra-prima, não dá vida apenas à sua obra, mas, por meio dela, de certo modo manifesta também a própria personalidade. Na arte, encontra uma dimensão nova e um canal estupendo de expressão para o seu crescimento espiritual. Através das obras realizadas, o artista fala e comunica com os outros. Por isso, a História da Arte não é apenas uma história de obras, mas também de homens. As obras de arte falam dos seus autores, dão a conhecer o seu íntimo e revelam o contributo original que eles oferecem à história da cultura.

A vocação artística ao serviço da beleza

3. Um conhecido poeta polaco, Cyprian Norwid, escreveu: « A beleza é para dar entusiasmo ao trabalho, o trabalho para ressurgir ».(3)

O tema da beleza é qualificante, ao falar de arte. Esse tema apareceu já, quando sublinhei o olhar de complacência que Deus lançou sobre a criação. Ao pôr em relevo que tudo o que tinha criado era bom, Deus viu também que era belo.(4) A confrontação entre o bom e o belo gera sugestivas reflexões. Em certo sentido, a beleza é a expressão visível do bem, do mesmo modo que o bem é a condição metafísica da beleza. Justamente o entenderam os Gregos, quando, fundindo os dois conceitos, cunharam uma palavra que abraça a ambos: « kalokagathía », ou seja, « beleza-bondade ». A este respeito, escreve Platão: « A força do Bem refugiou-se na natureza do Belo ».(5)

Vivendo e agindo é que o homem estabelece a sua relação com o ser, a verdade e o bem. O artista vive numa relação peculiar com a beleza. Pode-se dizer, com profunda verdade, que a beleza é a vocação a que o Criador o chamou com o dom do « talento artístico ». E também este é, certamente, um talento que, na linha da parábola evangélica dos talentos (cf. Mt 25,14-30), se deve pôr a render.

Tocamos aqui um ponto essencial. Quem tiver notado em si mesmo esta espécie de centelha divina que é a vocação artística — de poeta, escritor, pintor, escultor, arquitecto, músico, actor... —, adverte ao mesmo tempo a obrigação de não desperdiçar este talento, mas de o desenvolver para colocá-lo ao serviço do próximo e de toda a humanidade.

O artista e o bem comum

4. De facto, a sociedade tem necessidade de artistas, da mesma forma que precisa de cientistas, técnicos, trabalhadores, especialistas, testemunhas da fé, professores, pais e mães, que garantam o crescimento da pessoa e o progresso da comunidade, através daquela forma sublime de arte que é a « arte de educar ». No vasto panorama cultural de cada nação, os artistas têm o seu lugar específico. Precisamente enquanto obedecem ao seu génio artístico na realização de obras verdadeiramente válidas e belas, não só enriquecem o património cultural da nação e da humanidade inteira, mas prestam também um serviço social qualificado ao bem comum.

A vocação diferente de cada artista, ao mesmo tempo que determina o âmbito do seu serviço, indica também as tarefas que deve assumir, o trabalho duro a que tem de sujeitar-se, a responsabilidade que deve enfrentar. Um artista, consciente de tudo isto, sabe também que deve actuar sem deixar-se dominar pela busca duma glória efémera ou pela ânsia de uma popularidade fácil, e menos ainda pelo cálculo do possível ganho pessoal. Há, portanto, uma ética ou melhor uma « espiritualidade » do serviço artístico, que a seu modo contribui para a vida e o renascimento do povo. A isto mesmo parece querer aludir Cyprian Norwid, quando afirma: « A beleza é para dar entusiasmo ao trabalho, o trabalho para ressurgir ».

A arte face ao mistério do Verbo encarnado

5. A Lei do Antigo Testamento contém uma proibição explícita de representar Deus invisível e inexprimível através duma « estátua esculpida ou fundida » (Dt 27,15), porque Ele transcende qualquer representação material: « Eu sou Aquele que sou » (Ex 3,14). No mistério da Encarnação, porém, o Filho de Deus tornou-Se visível em carne e osso: « Ao chegar a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher » (Gl 4,4). Deus fez-Se homem em Jesus Cristo, que Se tornou assim « o centro de referência para se poder compreender o enigma da existência humana, do mundo criado, e mesmo de Deus ».(6)

Esta manifestação fundamental do « Deus-Mistério » apresenta-se como estímulo e desafio para os cristãos, inclusive no plano da criação artística. E gerou-se um florescimento de beleza, cuja linfa proveio precisamente daqui, do mistério da Encarnação. De facto, quando Se fez homem, o Filho de Deus introduziu na história da humanidade toda a riqueza evangélica da verdade e do bem e, através dela, pôs a descoberto também uma nova dimensão da beleza: a mensagem evangélica está completamente cheia dela.

A Sagrada Escritura tornou-se, assim, uma espécie de « dicionário imenso » (P. Claudel) e de « atlas iconográfico » (M. Chagall), onde foram beber a cultura e a arte cristã. O próprio Antigo Testamento, interpretado à luz do Novo, revelou mananciais inexauríveis de inspiração. Desde as narrações da criação, do pecado, do dilúvio, do ciclo dos Patriarcas, dos acontecimentos do êxodo, passando por tantos outros episódios e personagens da História da Salvação, o texto bíblico atiçou a imaginação de pintores, poetas, músicos, autores de teatro e de cinema. Uma figura como a de Job, só para dar um exemplo, com a problemática pungente e sempre actual da dor, continua a suscitar conjuntamente interesse filosófico, literário e artístico. E que dizer então do Novo Testamento? Desde o Nascimento ao Gólgota, da Transfiguração à Ressurreição, dos milagres aos ensinamentos de Cristo, até chegar aos acontecimentos narrados nos Actos dos Apóstolos ou previstos no Apocalipse em chave escatológica, inúmeras vezes a palavra bíblica se fez imagem, música, poesia, evocando com a linguagem da arte o mistério do « Verbo feito carne ».

Tudo isto constitui, na história da cultura, um amplo capítulo de fé e de beleza. Dele tiraram proveito sobretudo os crentes para a sua experiência de oração e de vida. Para muitos deles, em tempos de escassa alfabetização, as expressões figurativas da Bíblia constituíram mesmo um meio concreto de catequização.(7) Mas para todos, crentes ou não, as realizações artísticas inspiradas na Sagrada Escritura permanecem um reflexo do mistério insondável que abraça e habita o mundo.
Entre Evangelho e arte, uma aliança profunda

6. Com efeito, toda a intuição artística autêntica ultrapassa o que os sentidos captam e, penetrando na realidade, esforça-se por interpretar o seu mistério escondido. Ela brota das profundidades da alma humana, lá onde a aspiração de dar um sentido à própria vida se une com a percepção fugaz da beleza e da unidade misteriosa das coisas. Uma experiência partilhada por todos os artistas é a da distância incolmável que existe entre a obra das suas mãos, mesmo quando bem sucedida, e a perfeição fulgurante da beleza vislumbrada no ardor do momento criativo: tudo o que conseguem exprimir naquilo que pintam, modelam, criam, não passa de um pálido reflexo daquele esplendor que brilhou por instantes diante dos olhos do seu espírito.

O crente não se maravilha disto: sabe que se debruçou por um instante sobre aquele abismo de luz que tem a sua fonte originária em Deus. Há porventura motivo para admiração, se o espírito fica de tal modo inebriado que não sabe exprimir-se senão por balbuciações? Ninguém mais do que o verdadeiro artista está pronto a reconhecer a sua limitação e fazer suas as palavras do apóstolo Paulo, segundo o qual Deus « não habita em santuários construídos pela mão do homem », pelo que « não devemos pensar que a Divindade seja semelhante ao ouro, à prata ou à pedra, trabalhados pela arte e engenho do homem » (Act 17,24.29). Se já a realidade íntima das coisas se situa « para além » das capacidades de compreensão humana, quanto mais Deus nas profundezas do seu mistério insondável!

Já de natureza diversa é o conhecimento de fé: este supõe um encontro pessoal com Deus em Jesus Cristo. Mas também este conhecimento pode tirar proveito da intuição artística. Modelo eloquente duma contemplação estética que se sublima na fé são, por exemplo, as obras do Beato Fra Angélico. A este respeito, é igualmente significativa a lauda extasiada, que S. Francisco de Assis repete duas vezes na chartula, redigida depois de ter recebido os estigmas de Cristo no monte Alverne: « Vós sois beleza... Vós sois beleza! ».(8) S. Boaventura comenta: « Contemplava nas coisas belas o Belíssimo e, seguindo o rasto impresso nas criaturas, buscava por todo o lado o Dilecto ».(9)

Uma perspectiva semelhante aparece na espiritualidade oriental, quando Cristo é designado como « o Belíssimo de maior beleza que todos os mortais ».(10) Assim comenta Macário, o Grande, a beleza transfigurante e libertadora que irradia do Ressuscitado: « A alma que foi plenamente iluminada pela beleza inexprimível da glória luminosa do rosto de Cristo, fica cheia do Espírito Santo (...) é toda olhos, toda luz, toda rosto ».(11)

Toda a forma autêntica de arte é, a seu modo, um caminho de acesso à realidade mais profunda do homem e do mundo. E, como tal, constitui um meio muito válido de aproximação ao horizonte da fé, onde a existência humana encontra a sua plena interpretação. Por isso é que a plenitude evangélica da verdade não podia deixar de suscitar, logo desde os primórdios, o interesse dos artistas, sensíveis por natureza a todas as manifestações da beleza íntima da realidade.

Os primórdios

7. A arte, que o cristianismo encontrou nos seus inícios, era o fruto maduro do mundo clássico, exprimia os seus cânones estéticos e, ao mesmo tempo, veiculava os seus valores. A fé impunha aos cristãos, tanto no campo da vida e do pensamento como no da arte, um discernimento que não permitia a aceitação automática deste património. Assim, a arte de inspiração cristã começou em surdina, ditada pela necessidade que os crentes tinham de elaborar sinais para exprimirem, com base na Escritura, os mistérios da fé e simultaneamente de arranjar um « código simbólico » para se reconhecerem e identificarem especialmente nos tempos difíceis das perseguições. Quem não recorda certos símbolos que foram os primeiros vestígios duma arte pictórica e plástica? O peixe, os pães, o pastor... Evocavam o mistério, tornando-se quase insensivelmente esboços de uma arte nova.

Quando, pelo édito de Constantino, foi concedido aos cristãos exprimirem-se com plena liberdade, a arte tornou-se um canal privilegiado de manifestação da fé. Por todo o lado, começaram a despontar majestosas basílicas, nas quais os cânones arquitectónicos do antigo paganismo eram assumidos sim, mas reajustados às exigências do novo culto. Como não recordar pelo menos a antiga Basílica de S. Pedro e a de S. João de Latrão, construídas pelo imperador Constantino? Ou, no âmbito dos esplendores da arte bizantina, a Haghia Sophía de Constantinopla querida por Justiniano?

Enquanto a arquitectura desenhava o espaço sagrado, a necessidade de contemplar o mistério e de o propor de modo imediato aos simples levou progressivamente às primeiras expressões da arte pictórica e escultural. Ao mesmo tempo surgiam os primeiros esboços de uma arte da palavra e do som; e se Agostinho incluía também, entre as temáticas da sua produção, um De musica, Hilário, Ambrósio, Prudêncio, Efrém da Síria, Gregório de Nazianzo, Paulino de Nola, para citar apenas alguns nomes, faziam-se promotores de poesia cristã, que atinge frequentemente um alto valor não só teológico mas também literário. A sua produção poética valorizava formas herdadas dos clássicos, mas bebia na linfa pura do Evangelho, como justamente sentenciava o Santo poeta de Nola: « A nossa única arte é a fé, e Cristo é o nosso canto ».(12) Algum tempo mais tarde, Gregório Magno, com a compilação do Antiphonarium, punha as premissas para o desenvolvimento orgânico daquela música sacra tão original, que ficou conhecida pelo nome dele. Com as suas inspiradas modulações, o Canto Gregoriano tornar-se-á, com o passar dos séculos, a expressão melódica típica da fé da Igreja durante a celebração litúrgica dos Mistérios Sagrados. Assim, o « belo » conjugava-se com o « verdadeiro », para que, também através dos caminhos da arte, os ânimos fossem arrebatados do sensível ao eterno.

Não faltaram momentos difíceis neste caminho. A propósito precisamente do tema da representação do mistério cristão, a antiguidade conheceu uma áspera controvérsia, que passou à história com o nome de « luta iconoclasta ». As imagens sagradas, já então difusas na devoção do povo de Deus, foram objecto de violenta contestação. O Concílio celebrado em Niceia no ano 787, que estabeleceu a legitimidade das imagens e do seu culto, foi um acontecimento histórico não só para a fé mas também para a própria cultura. O argumento decisivo a que recorreram os Bispos para debelar a controvérsia, foi o mistério da Encarnação: se o Filho de Deus entrou no mundo das realidades visíveis, lançando, pela sua humanidade, uma ponte entre o visível e o invisível, é possível pensar que analogamente uma representação do mistério pode ser usada, pela dinâmica própria do sinal, como evocação sensível do mistério. O ícone não é venerado por si mesmo, mas reenvia ao sujeito que representa.(13)

A Idade Média

8. Os séculos seguintes foram testemunhas dum grande desenvolvimento da arte cristã. No Oriente, continuou a florescer a arte dos ícones, vinculada a significativos cânones teológicos e estéticos e apoiada na convicção de que, em determinado sentido, o ícone é um sacramento: com efeito, de modo análogo ao que sucede nos sacramentos, ele torna presente o mistério da Encarnação nalgum dos seus aspectos. Por isso mesmo, a beleza dum ícone pode ser apreciada sobretudo no interior de um templo, com os candelabros que ardem e suscitam na penumbra infinitos reflexos de luz. A este respeito, escreve Pavel Florenskij: « Bárbaro, pesado, fútil à luz clara do dia, o ouro reanima-se com a luz trémula dum candelabro ou duma vela, que o faz cintilar aqui e ali com miríades de fulgores, fazendo pressentir outras luzes não terrestres que enchem o espaço celeste ».(14)

No Ocidente, são muito variadas as perspectivas e os pontos donde partem os artistas, dependendo também das convicções fundamentais presentes no ambiente cultural do respectivo tempo. O património artístico, que se foi acumulando ao longo dos séculos, conta um florescimento vastíssimo de obras sacras de alta inspiração, que deixam cheio de admiração mesmo o observador do nosso tempo. Em primeiro plano, situam-se as grandes construções do culto, onde a funcionalidade sempre se une ao génio artístico, e este último se deixa inspirar pelo sentido do belo e pela intuição do mistério. Nascem daí estilos bem conhecidos na História da Arte. A força e a simplicidade do românico, expressa nas catedrais ou nas abadias, vai-se desenvolvendo gradualmente nas ogivas e esplendores do gótico. Dentro destas formas, não existe só o génio dum artista, mas a alma dum povo. Nos jogos de luzes e sombras, nas formas ora massiças ora ogivadas, intervêm certamente considerações de técnica estrutural, mas também tensões próprias da experiência de Deus, mistério « tremendo » e « fascinante ». Como sintetizar em poucos traços, nas diversas expressões da arte, a força criativa dos longos séculos da Idade Média cristã? Uma cultura inteira, embora com as limitações humanas sempre presentes, impregnara-se de Evangelho, e onde o pensamento teológico realizava a Summa de S. Tomás, a arte das igrejas submetia a matéria à adoração do mistério, ao mesmo tempo que um poeta admirável como Dante Alighieri podia compor « o poema sagrado, para o qual concorreram céu e terra »,(15) como ele próprio classifica a Divina Comédia.

Humanismo e Renascimento

9. A feliz estação cultural, em que tem origem o florescimento artístico extraordinário do Humanismo e do Renascimento, apresenta também reflexos significativos do modo como os artistas desse período concebiam o tema religioso. Naturalmente as inspirações são tão variadas como os seus estilos, ou pelo menos como os mais importantes deles. Mas, não é minha intenção lembrar coisas que vós, artistas, bem conheceis. Dado que vos escrevo deste Palácio Apostólico, escrínio de obras-primas talvez único no mundo, quero antes fazer-me voz dos maiores artistas que por aqui disseminaram as riquezas do seu génio, permeado frequentemente de grande profundidade espiritual. Daqui fala Miguel Ângelo, que na Capela Sistina de algum modo compendiou, desde a Criação ao Juízo Universal, o drama e o mistério do mundo, retratando Deus Pai, Cristo Juiz, o homem no seu fatigante caminho desde as origens até ao fim da História. Daqui fala o génio delicado e profundo de Rafael, apontando, na variedade das suas pinturas e de modo especial na « Disputa » da Sala da Assinatura, o mistério da revelação de Deus Trinitário, que na Eucaristia Se faz companheiro do homem, e projecta luz sobre as questões e os anelos da inteligência humana. Daqui, da majestosa Basílica dedicada ao Príncipe dos Apóstolos, da colunata que sai dela como dois braços abertos para acolher a humanidade, falam ainda Bramante, Bernini, Borromini, Maderno, para citar apenas os maiores, oferecendo plasticamente o sentido do mistério que faz da Igreja uma comunidade universal, hospitaleira, mãe e companheira de viagem para todo o homem à procura de Deus.

A arte sacra encontrou, neste conjunto extraordinário, uma força expressiva excepcional, atingindo níveis de imorredoiro valor quer estético quer religioso. O que vai caracterizando cada vez mais tal arte, sob o impulso do Humanismo e do Renascimento e das sucessivas tendências da cultura e da ciência, é um crescente interesse pelo homem, pelo mundo, pela realidade histórica. Esta atenção, por si mesma, não é de modo algum um perigo para a fé cristã, centrada sobre o mistério da Encarnação e, portanto, sobre a valorização do homem por parte de Deus. Precisamente os maiores artistas acima mencionados no-lo demonstram. Bastaria pensar no modo como Miguel Ângelo exprime nas suas pinturas e esculturas, a beleza do corpo humano.(16)

Aliás, mesmo no novo clima dos últimos séculos quando parte da sociedade parece indiferente à fé, a arte religiosa não cessou de avançar. A constatação torna-se ainda mais palpável, se da vertente das artes figurativas se passa a considerar o grande desenvolvimento que, neste mesmo período de tempo, teve a música sacra, composta para as necessidades litúrgicas, ou apenas relacionada com temas religiosos. Sem contar tantos artistas que a ela se dedicaram amplamente (como não lembrar Pero Luís de Palestrina, Orlando de Lasso, Tomás Luís de Victoria?), é sabido que muitos dos grandes compositores — de Händel a Bach, de Mozart a Schubert, de Beethoven a Berlioz, de Listz a Verdi — nos ofereceram obras de altíssima inspiração também neste campo.

A caminho dum renovado diálogo

10. Verdade é que, na Idade Moderna, ao lado deste humanismo cristão que continuou a produzir significativas expressões de cultura e de arte, foi-se progressivamente afirmando também uma forma de humanismo caracterizada pela ausência de Deus senão mesmo pela oposição a Ele. Este clima levou por vezes a uma certa separação entre o mundo da arte e o da fé, pelo menos no sentido de menor interesse de muitos artistas pelos temas religiosos.

Mas, vós sabeis que a Igreja continuou a nutrir grande apreço pelo valor da arte enquanto tal. De facto esta, mesmo fora das suas expressões mais tipicamente religiosas, mantém uma afinidade íntima com o mundo da fé, de modo que, até mesmo nas condições de maior separação entre a cultura e a Igreja, é precisamente a arte que continua a constituir uma espécie de ponte que leva à experiência religiosa. Enquanto busca do belo, fruto duma imaginação que voa mais acima do dia-a-dia, a arte é, por sua natureza, uma espécie de apelo ao Mistério. Mesmo quando perscruta as profundezas mais obscuras da alma ou os aspectos mais desconcertantes do mal, o artista torna-se de qualquer modo voz da esperança universal de redenção.

Compreende-se, assim, porque a Igreja está especialmente interessada no diálogo com a arte e quer que se realize na nossa época uma nova aliança com os artistas, como o dizia o meu venerando predecessor Paulo VI no seu discurso veemente aos artistas, durante um encontro especial na Capela Sistina a 7 de Maio de 1964.(17) A Igreja espera dessa colaboração uma renovada « epifania » de beleza para o nosso tempo e respostas adequadas às exigências próprias da comunidade cristã.

No espírito do Concílio Vaticano II

11. O Concílio Vaticano II lançou as bases para uma renovada relação entre a Igreja e a cultura, com reflexos imediatos no mundo da arte. Tal relação é proposta na base da amizade, da abertura e do diálogo. Na Constituição pastoral Gaudium et spes, os Padres Conciliares sublinharam a « grande importância » da literatura e das artes na vida do homem: « Elas procuram dar expressão à natureza do homem, aos seus problemas e à experiência das suas tentativas para conhecer-se e aperfeiçoar-se a si mesmo e ao mundo; e tentam identificar a sua situação na história e no universo, dar a conhecer as suas misérias e alegrias, necessidades e energias, e desvendar um futuro melhor ».(18)

Baseados nisto, os Padres, no final do Concílio, dirigiram aos artistas uma saudação e um apelo, nestes termos: « O mundo em que vivemos tem necessidade de beleza para não cair no desespero. A beleza, como a verdade, é a que traz alegria ao coração dos homens, é este fruto precioso que resiste ao passar do tempo, que une as gerações e as faz comungar na admiração ».(19) Neste mesmo espírito de profunda estima pela beleza, a Constituição sobre a sagrada liturgia Sacrosanctum Concilium lembrou a histórica amizade da Igreja pela arte e, falando mais especificamente da arte sacra, « vértice » da arte religiosa, não hesitou em considerar como « nobre ministério » a actividade dos artistas, quando as suas obras são capazes de reflectir de algum modo a beleza infinita de Deus e orientar para Ele a mente dos homens.(20) Também através do seu contributo, « o conhecimento de Deus é mais perfeitamente manifestado e a pregação evangélica torna-se mais compreensível ao espírito dos homens ».(21) À luz disto, não surpreende a afirmação do Padre Marie-Dominique Chenu, segundo o qual o historiador da Teologia deixaria a sua obra incompleta, se não dedicasse a devida atenção às realizações artísticas, quer literárias quer plásticas, que a seu modo constituem « não só ilustrações estéticas, mas verdadeiros “lugares” teológicos ».(22)

A Igreja precisa da arte

12. Para transmitir a mensagem que Cristo lhe confiou, a Igreja tem necessidade da arte. De facto, deve tornar perceptível e até o mais fascinante possível o mundo do espírito, do invisível, de Deus. Por isso, tem de transpor para fórmulas significativas aquilo que, em si mesmo, é inefável. Ora, a arte possui uma capacidade muito própria de captar os diversos aspectos da mensagem, traduzindo-os em cores, formas, sons que estimulam a intuição de quem os vê e ouve. E isto, sem privar a própria mensagem do seu valor transcendente e do seu halo de mistério.

A Igreja precisa particularmente de quem saiba realizar tudo isto no plano literário e figurativo, trabalhando com as infinitas possibilidades das imagens e suas valências simbólicas. O próprio Cristo utilizou amplamente as imagens na sua pregação, em plena coerência, aliás, com a opção que, pela Encarnação, fizera d'Ele mesmo o ícone do Deus invisível.

A Igreja tem igualmente necessidade dos músicos. Quantas composições sacras foram elaboradas, ao longo dos séculos, por pessoas profundamente imbuídas pelo sentido do mistério! Crentes sem número alimentaram a sua fé com as melodias nascidas do coração de outros crentes, que se tornaram parte da Liturgia ou pelo menos uma ajuda muito válida para a sua decorosa realização. No cântico, a fé é sentida como uma exuberância de alegria, de amor, de segura esperança da intervenção salvífica de Deus.

A Igreja precisa de arquitectos, porque tem necessidade de espaços onde congregar o povo cristão e celebrar os mistérios da salvação. Depois das terríveis destruições da última guerra mundial e com o crescimento das cidades, uma nova geração de arquitectos se amalgamou com as exigências do culto cristão, confirmando a capacidade de inspiração que possui o tema religioso relativamente também aos critérios arquitectónicos do nosso tempo. De facto, não raro se construíram templos, que são simultaneamente lugares de oração e autênticas obras de arte.

A arte precisa da Igreja?

13. Portanto, a Igreja tem necessidade da arte. Pode-se dizer também que a arte precisa da Igreja? A pergunta pode parecer provocatória. Mas, se for compreendida no seu recto sentido, obedece a uma motivação legítima e profunda. Na realidade, o artista vive sempre à procura do sentido mais íntimo das coisas; toda a sua preocupação é conseguir exprimir o mundo do inefável. Como não ver então a grande fonte de inspiração que pode ser, para ele, esta espécie de pátria da alma que é a religião? Não é porventura no âmbito religioso que se colocam as questões pessoais mais importantes e se procuram as respostas existenciais definitivas?

De facto, o tema religioso é dos mais tratados pelos artistas de cada época. A Igreja tem feito sempre apelo às suas capacidades criativas, para interpretar a mensagem evangélica e a sua aplicação à vida concreta da comunidade cristã. Esta colaboração tem sido fonte de mútuo enriquecimento espiritual. Em última instância, dela tirou vantagem a compreensão do homem, da sua imagem autêntica, da sua verdade. Sobressaiu também o laço peculiar que existe entre a arte e a revelação cristã. Isto não quer dizer que o génio humano não tenha encontrado estímulos também noutros contextos religiosos; basta recordar a arte antiga, sobretudo grega e romana, e a arte ainda florescente das vetustas civilizações do Oriente. A verdade é que o cristianismo, em virtude do dogma central da encarnação do Verbo de Deus, oferece ao artista um horizonte particularmente rico de motivos de inspiração. Que grande empobrecimento seria para a arte o abandono desse manancial inexaurível que é o Evangelho!

Apelo aos artistas

14. Com esta Carta dirijo-me a vós, artistas do mundo inteiro, para vos confirmar a minha estima e contribuir para o restabelecimento duma cooperação mais profícua entre a arte e a Igreja. Convido-vos a descobrir a profundeza da dimensão espiritual e religiosa que sempre caracterizou a arte nas suas formas expressivas mais nobres. Nesta perspectiva, faço-vos um apelo a vós, artistas da palavra escrita e oral, do teatro e da música, das artes plásticas e das mais modernas tecnologias de comunicação. Este apelo dirijo-o de modo especial a vós, artistas cristãos: a cada um queria recordar que a aliança que sempre vigorou entre Evangelho e arte, independentemente das exigências funcionais, implica o convite a penetrar, pela intuição criativa, no mistério de Deus encarnado e contemporaneamente no mistério do homem.

Cada ser humano é, de certo modo, um desconhecido para si mesmo. Jesus Cristo não Se limita a manifestar Deus, mas « revela o homem a si mesmo ».(23) Em Cristo, Deus reconciliou consigo o mundo. Todos os crentes são chamados a dar testemunho disto; mas compete a vós, homens e mulheres que dedicastes a vossa vida à arte, afirmar com a riqueza da vossa genialidade que, em Cristo, o mundo está redimido: está redimido o homem, está redimido o corpo humano, está redimida a criação inteira, da qual S. Paulo escreveu que « aguarda ansiosa a revelação dos filhos de Deus » (Rm 8,19). Aguarda a revelação dos filhos de Deus, também através da arte e na arte. Esta é a vossa tarefa. Em contacto com as obras de arte, a humanidade de todos os tempos — também a de hoje — espera ser iluminada acerca do próprio caminho e destino.

Espírito Criador e inspiração artística

15. Na Igreja, ressoa muitas vezes esta invocação ao Espírito Santo: Veni, Creator Spiritus..., « Vinde, Espírito Criador, as nossas mentes visitai, enchei da vossa graça os corações que criastes ».(24)

Ao Espírito Santo, « o Sopro » (ruah), acena já o livro do Génesis: « A terra era informe e vazia. As trevas cobriam o abismo, e o Espírito de Deus movia-Se sobre a superfície das águas » (1,2). Existe grande afinidade lexical entre « sopro — expiração » e « inspiração ». O Espírito é o misterioso artista do universo. Na perspectiva do terceiro milénio, faço votos de que todos os artistas possam receber em abundância o dom daquelas inspirações criativas donde tem início toda a autêntica obra de arte.

Queridos artistas, como bem sabeis, são muitos os estímulos, interiores e exteriores, que podem inspirar o vosso talento. Toda a autêntica inspiração, porém, encerra em si qualquer frémito daquele « sopro » com que o Espírito Criador permeava, já desde o início, a obra da criação. Presidindo às misteriosas leis que governam o universo, o sopro divino do Espírito Criador vem ao encontro do génio do homem e estimula a sua capacidade criativa. Abençoa-o com uma espécie de iluminação interior, que junta a indicação do bem à do belo, e acorda nele as energias da mente e do coração, tornando-o apto para conceber a ideia e dar-lhe forma na obra de arte. Fala-se então justamente, embora de forma analógica, de « momentos de graça », porque o ser humano tem a possibilidade de fazer uma certa experiência do Absoluto que o transcende.

A « Beleza » que salva

16. Já no limiar do terceiro milénio, desejo a todos vós, artistas caríssimos, que sejais abençoados, com particular intensidade, por essas inspirações criativas. A beleza, que transmitireis às gerações futuras, seja tal que avive nelas o assombro. Diante da sacralidade da vida e do ser humano, diante das maravilhas do universo, o assombro é a única atitude condigna.

De tal assombro poderá brotar aquele entusiasmo de que fala Norwid na poesia, a que me referi ao início. Os homens de hoje e de amanhã têm necessidade deste entusiasmo, para enfrentar e vencer os desafios cruciais que se prefiguram no horizonte. Com tal entusiasmo, a humanidade poderá, depois de cada extravio, levantar-se de novo e retomar o seu caminho. Precisamente neste sentido foi dito, com profunda intuição, que « a beleza salvará o mundo ».(25)

A beleza é chave do mistério e apelo ao transcendente. É convite a saborear a vida e a sonhar o futuro. Por isso, a beleza das coisas criadas não pode saciar, e suscita aquela arcana saudade de Deus que um enamorado do belo, como S. Agostinho, soube interpretar com expressões incomparáveis: « Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! ».(26)

Que as vossas múltiplas sendas, artistas do mundo, possam conduzir todas àquele Oceano infinito de beleza, onde o assombro se converte em admiração, inebriamento, alegria inexprimível.

Sirva-vos de guia e inspiração o mistério de Cristo ressuscitado, em cuja contemplação se alegra a Igreja nestes dias.

Acompanhe-vos a Virgem Santa, a « toda bela », cuja efígie inumeráveis artistas delinearam e o grande Dante contempla nos esplendores do Paraíso como « beleza, que alegria era dos olhos de todos os outros santos ».(27)

« Eleva-se do caos o mundo do espírito »! A partir destas palavras, que Adam Mickiewicz escrevera numa hora de grande aflição para a pátria polaca,(28) formulo um voto para vós: que a vossa arte contribua para a consolidação duma beleza autêntica que, como revérbero do Espírito de Deus, transfigure a matéria, abrindo os ânimos ao sentido do eterno!

Com os meus votos mais cordiais!

Vaticano, 4 de Abril de 1999, Solenidade da Páscoa da Ressurreição

(1) Dialogus de ludo globi, liv. II: Philosophisch-Theologische Schriften, III (Viena 1967), p. 332.

(2) As virtudes morais, particularmente a prudência, dão ao sujeito a possibilidade de agir de harmonia com o critério do bem e do mal moral: segundo recta ratio agibilium (o justo critério dos comportamentos). A arte, diversamente, é definida pela filosofia como recta ratio factibilium (o justo critério das realizações).

(3) Promethidion, Bogumil, vv. 185-186: Pisma wybrane, II (Varsóvia 1968), p. 216.

(4) A versão grega dos Setenta exprime claramente este aspecto, ao traduzir o termo hebraico t(o-)b (bom) por kalón (belo).

(5) Filebo, 65 A.

(6) JOÃO PAULO II, Carta enc. Fides et ratio (14 de Setembro de 1998), 80: AAS 91 (1999), 67.

(7) Este princípio pedagógico foi enunciado pela pena autorizada de S. Gregório Magno, numa carta, do ano 599, escrita ao Bispo Sereno de Marselha: « A pintura é usada nas igrejas, para que as pessoas analfabetas possam ler, pelo menos nas paredes, aquilo que não são capazes de ler nos livros » (Epistulæ, IX, 209: CCL 140A, 1714).

(8) Lodi di Dio Altissimo, vv. 7 e 10: Fonti francescane, n. 261 (Pádua 1982), p. 177.

(9) Legenda maior, IX, 1: Fonti francescane, n. 1162 (Pádua 1982), p. 911.

(10) Enkomia na celebração do Orthrós do Grande Sábado Santo.

(11) Homilia I, 2: PG 34, 451.

(12) « At nobis ars una fides et musica Christus » (Carmen 20, 31: CCL 203, 144).

(13) Cf. JOÃO PAULO II, Carta ap. Duodecimum sæculum (4 de Dezembro de 1987), 8-9: AAS 80 (1988), 247-249.

(14) A perspectiva invertida e outros escritos (Roma 1984), p. 63.

(15) Paradiso XXV, 1-2.

(16) Cf. JOÃO PAULO II, Homilia da Missa celebrada na conclusão dos restauros dos frescos de Miguel Ângelo na Capela Sistina (8 de Abril de 1994): L'Osservatore Romano (ed. port. de 16 de Abril de 1994), p. 7.

(17) Cf. AAS 56 (1964), 438-444.

(18) N. 62.

(19) Mensagem do Concílio aos artistas (8 de Dezembro de 1965): AAS 58 (1966), 13.

(20) Cf. n. 122.

(21) CONC. ECUM. VAT. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 62.

(22) A teologia no século XII (Milão 1992), p. 9.

(23) CONC. ECUM. VAT. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 22.

(24) Hino de Vésperas, na Solenidade de Pentecostes.

(25) F. DOSTOEVSKIJ, O Idiota, parte III, cap. V (Milão 1998), p. 645.

(26) « Sero te amavi! Pulchritudo tam antiqua e tam nova, sero te amavi! » (Confessiones 10, 27: CCL 27, 251).

(27) Paradiso XXXI, 134-135.

(28) Ode à juventude, v. 69: Wybór poezji, I (Wroclaw 1986), p. 63.